domingo, 20 de maio de 2018

Entrevista da Alice para a Cosmopolitan Brasil

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Ano passado, Alice Braga recebeu e-mail de uma companhia aérea americana informando que ela havia passado 158 horas dentro de seus aviões em 2017 – o equivalente a cerca de três voltas ao mundo. Quem aí se lembrou do filme Amor sem Escalas, de 2009? Assim como o personagem de George Clooney, a carreira de Alice também a faz viver numa ponte aérea entre Estados Unidos e Brasil.

“Se estou no Brasil, fico com saudade das pessoas que estão em Los Angeles, e vice-versa”, conta. “Dos 20 aos 34 anos, trabalhei muito, estava sempre viajando, conhecendo gente, mas distante dos amigos, dos casamentos, das festas. É superdifícil: ganham-se coisas novas, mas perdem-se outras, como o nascimento do meu afilhado. Mas encaro de maneira tranquila, sou feliz em fazer o que amo, que é atuar.” Alice se divide entre a casa da irmã, em São Paulo (“De onde venho e para onde volto”), e Los Angeles – “Faço muito teste lá”.

Na capital paulista, não deixa de ir com os amigos aos botecos da Vila Madalena. “Passo tanto tempo fora que quero ouvir e contar as histórias.” Em Los Angeles, gosta dos cinemas (“Há boas salas lá”), de ir a shows (no ano passado, passou seu aniversário no Coachella, festival de música no deserto californiano), ao Walt Disney Concert Hall (um dos cartões-postais da cidade) e de pegar praia em Malibu.

Em uma das apertadas passagens pelo Brasil, conseguiu encaixar na agenda esta sessão de fotos e entrevista para a COSMO. Os parágrafos acima, que descrevem uma vida glamourosa e descolada, poderiam dar a impressão de que a atriz é do tipo que anda com uma equipe gigante, digna da atriz de Hollywood que frequenta tapetes vermelhos – como de fato faz.

Mas que nada. Alice chegou sozinha para as fotos desta edição e foi se apresentando para toda a equipe, de um em um (“Oi, eu sou a Alice!”), como se não a reconhecêssemos de filmes como Cidade de Deus (2002), Eu Sou a Lenda(2007), que protagonizou com Will Smith, ou Elysium (2013), em que contracenou com Matt Damon. Tranquila, falante e low profile, ela está a quilômetros de distância do estereótipo da atriz de Hollywood, onde atua há mais de uma década, mas sem tirar um pé do cinema brasileiro.

Mas não dá pra se enganar pela simplicidade da paulistana. Sua vida é, sim, agitada. No mesmo dia, embarcou para Dallas para gravar a terceira temporada de A Rainha do Sul, série americana em que vive uma chefe do tráfico de drogas, disponível no Brasil pela Netflix – a terceira temporada estreia em junho nos EUA. Ela segue ocupada com as gravações da produção (que inclui dez dias no Mediterrâneo, em Malta) até junho.

Ironicamente, Alice, 34 anos, conheceu sua personagem, Teresa Mendoza, há dez anos, quando leu A Rainha do Tráfico (2002), livro de Arturo Pérez-Reverte sobre a trajetória da mexicana que dominou o narcotráfico no sul da Espanha e que chegou para ela sem querer, pelas mãos de uma amiga. A história, conta a atriz, quase ganhou uma versão para o cinema protagonizada por Eva Mendes, que acabou engavetada, seguida por uma adaptação para uma telenovela de sucesso mexicana, com Kate del Castillo. “Quando me ligaram oferecendo o papel, falei: `Calma, não pode ser a mesma história que li há dez anos e amei.'” Era.

Alice também narra o documentário Awavena (sem data de estreia por aqui), sobre o povo indígena iauanauá, do Acre. Dirigido pela australiana Lynette Wallworth, o filme estreou no festival de Sundance em janeiro e foi exibido no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), no mesmo mês. Filmou ainda, em julho e agosto de 2017, Os Novos Mutantes, spin-off da franquia X-Men que tem estreia prevista para o início de 2019. No longa, interpreta a médica Cecilia, tutora de cinco jovens mutantes, guiando-os nesse novo universo. “É bem diferente de tudo o que já fiz: ela é rígida, dura, recatada”, conta. “Sempre gostei muito dos X-Men porque é uma série bem metafórica sobre aceitação e sobre dar voz às minorias.”

Enraizada em Hollywood, ela foi uma das 300 mulheres (entre atrizes, diretoras e outras profissionais do meio) que assinaram a carta publicada em 1º de janeiro no The New York Times com o manifesto do Time’s Up, que abalou a indústria do entretenimento com denúncias de casos de assédio em Hollywood, além de ser uma plataforma para ajudar vítimas de assédio sexual no trabalho.

“Nunca sofri um assédio da forma como as atrizes que vieram à frente contar. Mas acho que acabamos aturando pequenos abusos e passando batido por ser algo a que a gente já está quase acostumada. E a repetição disso é agressiva”, diz. “O mais interessante no Time’s Up é que o fundo não apoia só as pessoas da indústria, mas mulheres de vários segmentos que não tenham a voz de uma atriz conhecida e que continuam vivendo em uma sociedade opressiva, separatista”, defende. “E não deixa de ser um abuso se você não tem chance de ascender na empresa em que trabalha”, diz.


Da Escola para o set


Atuar era um caminho natural para Alice. Ela vem de uma família de atores e diretores. Além da tia Sônia Braga, que dispensa apresentações e chegou a Hollywood na década de 80, quando estrelou O Beijo da Mulher Aranha (1985), tem outros dois tios atores (Helio e Julio Braga) e uma prima (Daniela Braga), que já dirigiu séries da Globo, como Tapas & Beijos e A Grande Família. Sua mãe, Ana Braga, era atriz e passou a trabalhar como assistente de direção. A Kombi então buscava Alice no colégio e a levava para os sets de filmagem. “Cresci vendo o por trás da câmera. Sempre fui muito fascinada por esse universo.”

Na adolescência, passou a fazer comerciais com frequência. Em um deles, conheceu Fernando Meirelles, sócio da produtora paulistana 02 Filmes. E assim surgiu a chance de interpretar Angélica, de Cidade de Deus (2002), quando tinha 19 anos. Depois do filme, que concorreu a quatro Oscars, aproveitou e passou a fazer testes em Hollywood. “As portas foram se abrindo e fui me jogando.”

Alice chegou a cursar o 1º ano de comunicação das artes do corpo, na PUC-SP, mas acabou abandonando para atuar em Cidade Baixa (2005). No filme, premiado em Cannes, ela vive uma stripper, em um triângulo amoroso com os personagens de Lázaro Ramos e Wagner Moura. “É uma personagem complexa e das que mais amei fazer.”

Do longa, ela também guarda uma cena marcante que dividiu com Wagner. “Na hora, pensei: `É esse tipo de atuação que quero fazer’, foi um norte. Ele é uma referência.” O ator retribui: “Amo Alice. Me faz muito bem estar perto dela, sempre. Ela é uma luz, uma de minhas melhores amigas e uma das melhores atrizes do Brasil”, disse o ator em entrevista à COSMO.

Ao lado do ator, que, como ela, viveu um personagem latino em uma produção americana (Pablo Escobar, em Narcos, da Netflix), fez um painel no South by Southwest (festival de cinema, música e interatividade, em Austin, Texas), no ano passado, para debater a diversidade em Hollywood. “Na primeira temporada de A Rainha do Sul, os roteiristas eram dois homens americanos. Nada contra, mas não tinha um latino e uma mulher entre eles. E a série é protagonizada por uma mulher mexicana. Como vamos conseguir representatividade se nem atrás das câmeras temos isso?” No segundo ano do programa, conta, o roteiro passou a ser assinado por uma mulher.


Mão na massa


Além do desejo de interpretar, a juventude nos sets trouxe a vontade de trabalhar atrás das câmeras. E fez nascer a produtora Los Bragas, que criou com a irmã, Rita Moraes, e o diretor Felipe Braga (casado com Rita, o sobrenome comum é mera coincidência). “Ter uma produtora viabiliza os projetos em que acredito.” E, se precisar, ela vai até às reuniões de captação de recursos. “Amo! Adoro falar com as pessoas.”

Em 2014, a produtora foi indicada ao Emmy internacional na categoria Digital de Ficção por Latitudes, série protagonizada por Alice e Daniel Oliveira, filmada em oito países e exibido com conteúdos diferentes na TV paga e no YouTube. “Foi louco porque a gente fez isso em 2012, quando ninguém estava assistindo a streaming.” Repetiram a indicação em 2015, desta vez na categoria Digital de Não Ficção, com a série Neymar Jr: A Vida Fora dos Campos, exibida no canal do jogador no YouTube. “Passamos dez dias correndo atrás do Neymar. Só eu e o Felipe carregando o equipamento.”

No ano passado, lançaram um documentário sobre Thiago Soares, o brasileiro e ex-dançarino de hip hop que se tornou o principal bailarino do Royal Ballet de Londres. Agora, estreia Samantha!, série da Netflix sobre uma ex-celebridade mirim nos anos 80 interpretada por Emanuelle Araújo.


Anticelebridade


Dezesseis anos após sua estreia no cinema, com Cidade de Deus, Alice conta que está mais seletiva em relação aos trabalhos. “Como filmo Rainha do Suldurante cinco meses, só tenho outros sete livres no ano. Vou muito pelo que o coração me diz em relação ao roteiro, mais do que qualquer outra coisa”, diz.

Quem está próximo de Alice confirma seus métodos passionais de escolhas profissionais. “A Lili faz com a mesma dedicação o filme internacional, com megaprodução, em que ela tem maquiador e um trailer só para ela, e o longa de um diretor iniciante no Brasil, de baixo orçamento, em que a maquiagem é feita no banheiro do restaurante. É trabalho igual para ela”, diz a amiga Marina Person, apresentadora e cineasta.

Isso não quer dizer que ficou mais fácil. “Ainda fico nervosa quando faço testes. É muito difícil não ficar; se faço um, é porque gostaria de pegar o papel. E, querendo ou não, as pessoas estão te julgando. Hoje em dia, tento entender que talvez não seja a intérprete certa para essa personagem. E isso não quer dizer que eu seja boa ou péssima atriz.”

Ter atuado pouco na TV, diferentemente de grande parte das atrizes brasileiras, foi natural, conta, e não um caminho a ser evitado. “O cinema me chamou mais rapidamente, mas tenho muita vontade.” Alice quase participou da novela Belíssima (2005) e da série Amazônia – De Galvez a Chico Mendes (2007), mas sua agenda não deixou.

Estar longe da visibilidade da TV lhe deu uma vida mais low profile. “Ao mesmo tempo, sou muito tranquila, a garota da Vila Madalena, bairro onde nasci e vivo. Esqueço de postar em rede social. Vou em pré-estreia de filme quando é de amigo, dou entrevista quando tenho um projeto para falar”, conta. “Sou zero consumista em relação a roupa e maquiagem. Gosto só de ter o leave-in que comecei a usar no Rainha do Sul, meu rímel marrom, o demaquilante que curto. Não quero ter o carro do ano, sou muito mais simples e pé no chão. Gasto meu dinheiro com viagens.” A última foi para os paradisíacos Lençóis Maranhenses. Diferentemente daquele personagem de George Clooney, dá pra ver que Alice sabe aproveitar bem suas milhas acumuladas.

Fonte: Cosmo

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