terça-feira, 26 de maio de 2015

Matéria capa da Marie Claire 2008

Alice Braga: Ela é a lenda
Cortejada por astros como Will Smith, Sean Penn, Jude Law e Harrison Ford, a menina classe média paulistana foi longe e voltou para contar a história. Mas, aos 25 anos, Alice Braga parece não se dar conta de tudo o que já conquistou.
Conheci Alice há cinco anos, na redação de uma revista para a qual ela fazia um trabalho sobre sua experiência em Nova York como estudante de inglês. Isso, antes do lançamento do filme que mudaria sua vida: Cidade de Deus [2002]. Na época, adolescente ainda, era apenas uma aspirante a atriz, como milhares que circulam hoje pela capital -só uma garota da Vila Madalena, bairro de descolados e alternativos em São Paulo, em busca de um lugar ao sol. Baixinha, chinelos, vestidos soltos, cabelo meio preso, um tipo que há 20 anos seria rotulado de bicho-grilo, não dava pinta de que viria a ser atriz internacionalmente conhecida, aplaudida de pé em Cannes, vencedora do prêmio de melhor atriz no festival de Veneza, eleita uma das promessas do mercado em ensaio fotográfico feito para a revista "Vanity Fair" e selecionada no anual "Women We Love" da "Esquire". Muito menos que contracenaria com Will Smith, Harrison Ford, Julianne Moore, Sean Penn e Jude Law antes dos 25. Por isso, quando recebi a missão de entrevistá-la para esta edição de Marie Claire, fiz as contas e cheguei ao resultado óbvio: a ex-garota da Vila Madalena e atual frequentadora dos estúdios hollywoodianos teria virado um tipo meio esnobe, meio senhora de si, meio cheio de respostas prontas e clichês. E, naturalmente, não se lembraria de mim. Fui encontrá-la, então, preparada para o pior cenário possível: o da entrevista tirada a fórceps.
Cheguei ao local marcado, um café dentro de uma livraria na Vila Madalena, pontualmente às 14 horas, pronta para esperar pela celebridade: nada mais comum do que o vaidoso atraso da classe. Mas Alice já estava ali, tomando uma xícara de chá. Chinelos, vestido largado, cabelo meio preso, bicho-grilo retrô, acenou e me recebeu com um abraço. "Nossa! Há quanto tempo a gente não se vê! Tudo bem com você?" O choque de ver que a garota da Vila Madalena, que desde nosso último encontro havia conquistado o mundo e voltado, era ainda apenas a garota da Vila Madalena foi enorme. Teimosa, durante os 20 primeiros minutos de papo tentei desmascará-la e encontrar ali algum vestígio de estrelismo. Tudo em vão. Segura, risonha, simples, humilde, ela parecia contar a história de sucesso de uma amiga -feliz, mas sem muito envolvimento com toda aquela pompa hollywoodianesca.
"Tô me jogando nas mãos dos diretores porque tenho muito a aprender"
Aos 25 anos, a menina que, aos 19, abandonou o curso de Artes do Corpo na PUC para seguir a carreira de atriz revelava, entre uma e outra xícara de chá , um tipo de maturidade que falta a muitos artistas quarentões. Criada em núcleo familiar artístico (pai jornalista e diretor de TV, mãe publicitária e irmã produtora), sempre quis trabalhar com cinema. Desde os 10 brinca de fazer comerciais e, antes de Cidade de Deus, havia feito apenas um curta de baixo orçamento. Mas aí veio o papel da cocotinha no filme de Meirelles e a vida virou: agentes disponíveis em Hollywood, convites para novelas na Globo, testes e mais testes. Da noite para o dia, a fama além-mar.
Em setembro, aparecerá nas telas com Julianne Moore, Mark Ruffalo e Gael García Bernal na adaptação para o cinema do perturbador Ensaio Sobre a Cegueira, de Saramago. Logo depois, ao lado de Harrison Ford e Sean Penn em Crossing Over, sobre o drama da imigração mexicana nos Estados Unidos. E, ano que vem, com Jude Law em Repossession Mambo, sem título em português. Currículo pesado, mas que sequer foi suficiente para fazer com que se mudasse do pequeno apartamento na Vila Madalena. Por isso, a uma certa altura me ocorreu o seguinte: essa menina não tem noção do que está acontecendo.
MC Cidade de Deus foi o primeiro filme?
AB Tinha feito só um curta antes disso.
MC Depois dele um agente veio te procurar?
AB Ela ficou seis meses me procurando.
MC Por quê?
AB Porque ela achava que eu morava na favela. Como ela não conseguia achar o Fernando [Meirelles], não sabia como começar a me procurar nas favelas. Tentava aqui e ali, mas não conseguia.
MC Quem escuta sua história acha que a coisa mais simples do mundo é conseguir um agente em Hollywood e não é bem assim.
AB É, eu sei. É que tive a sorte de fazer o Cidade de Deus, que me abriu para o cinema lá fora porque o filme fez aquele sucesso com a crítica internacional.
MC Você tem alguma noção do que está acontecendo?
AB Às vezes. Tô indo de peito aberto e me jogando na mão dos diretores porque tenho muito o que aprender.
MC Mas entrar no tapete vermelho ao lado de Will Smith e Tom Cruise não é pouca coisa.
AB É, isso foi surreal mesmo [ri]. Que maluco, né? Mas tô tentando ser apenas eu mesma.
MC Como fazer para não acreditar que você é tudo o que dizem que você é?
AB Olha, não sei muito para onde estou indo, mas sei que amo cinema, sempre amei, aprendi com meus pais, sabe?, em casa se via muito filme. Então, sei que estou fazendo o que amo e o que sempre quis: cinema. Mas olho em volta e tudo é tão grande, tão novo, tão badalado que é muito fácil ficar cego. Tudo é sedutor, é tentador, mexe com o ego. Olha, se tem ao meu redor 100 fotógrafos gritando: "Lindaaaa! Olha pra mim!", uma hora vou me achar mais fodona mesmo. É humano, mas não posso perder a capacidade de passar pelo tapete vermelho e debochar do momento, sabe? Não dá para esquecer de onde eu vim, quem são meus amigos, essas coisas.
MC E filmar com Will Smith, um dos caras mais poderosos do cinema?
AB Fazer Eu Sou a Lenda [2007] foi muito valioso. Uma história enorme, com um grande astro do cinema americano, um dos mais bem pagos do mundo, então isso foi muito bacana. Mas um mês antes daquilo eu estava fazendo Via Láctea, uma produção nacional, da Lina Chamie, que é uma diretora que eu adoro. Esse tipo de mudança me dá prazer.
MC A impressão que temos é que, da noite para o dia, você aconteceu mundialmente e que nunca foi recusada em nenhum teste, que o cinema americano amou você à primeira vista.
AB Imagina. Fui recusada muitas vezes. Muitas. Eu Sou a Lenda foi só um de vários testes que eu tinha feito em Los Angeles. O Rodrigo [Santoro] passou pelas mesmas coisas.
MC Por exemplo.
AB Ah, tantos... Olha, fui para os Estados Unidos promover o Cidade Baixa [2005, de Sérgio Machado, no qual fez uma prostituta, elogiada pela crítica internacional] e estudar inglês. Enquanto isso, ia fazendo vários testes. E não passei em nenhum. Sabe, é como ir a uma entrevista de um trabalho que você adoraria executar e ser rejeitado. É isso muitas vezes em um mês. Nosso trabalho é esse, não tem cotidiano, é passar no teste e ganhar ou não passar e não ganhar nada.
MC Não é duro demais lidar com tanta rejeição? Porque a gente só fica sabendo das aprovações.
AB Duro demais. Tem sempre tanta gente tentando um mesmo papel que o normal é ser rejeitado. A rejeição existe em qualquer tipo de trabalho, mas no nosso é muito fácil levar para o lado pessoal. Mas o desafio é entender por que você não foi bem e como pode melhorar.
MC Tem um papel que doeu mais perder?
AB The Dead Girl [2006, com Toni Collette, de O Casamento de Muriel e que não foi lançado no Brasil], um filme independente. Passei no primeiro teste e daí é foda porque a expectativa cresce. Esse doeu.
MC Como você conseguiu o papel em Eu Sou a Lenda? A concorrência deve ter sido enorme.
AB Fiz um teste com a produtora de elenco, ela lendo o texto, sem interpretar nada, e eu interpretando. Essa situação é engraçada porque você tá lá toda entregue e quem contracena com você tá só lendo um papel. Bem maluco porque eu não tinha lido nada do roteiro, então a situação é toda fora de contexto. Bom, aí voltei para o Brasil porque já estava há um tempo em Nova York e precisava voltar. Assim que cheguei aqui eles me ligaram: "Olha, o Will Smith e o diretor viram seu teste e querem te conhecer pessoalmente. Vem para Nova York agora". E eu: "Agora? Tá". Refiz a mala e aí descobri que tinha greve de metrô em São Paulo. Ou seja, eu tinha algumas horas para chegar ao aeroporto e minhas chances eram mínimas. Cheguei esbaforida, mas consegui pegar o avião.
MC Chegou em Nova York e foi direto para o teste?
AB Fui.
MC Nervosa?
AB Bom, antes de entrar na sala para conhecer o Will pessoalmente eu era adrenalina pura. Ficava na sala de espera: "Curte esse momento. Se der, deu. Se não der, foi ótimo. Foi ótimo ter vindo, ter conhecido ele pessoalmente...", ficava repetindo isso. Porque, olha, pensa bem, eu ia conhecer o cara, ia interpretar para ele, com ele, puxa, não tá bom assim? Já valeu.
"Passar pelo tapete vermelho abraçada ao Tom Cruise foi surreal. Muito maluco isso, né?'
MC E como foi?
AB Entrei e ele foi supergeneroso e carinhoso. Ele sabe o peso que tem sobre as pessoas, principalmente atores novos tentando um espaço como eu. Ele sabe que é intimidador. Mas ele foi ótimo, eu fiz o teste com ele e fui para o hotel dormir para voltar ao Brasil no dia seguinte. Tentei não pensar muito sobre o teste e, no dia seguinte, estava me preparando para pegar um táxi para o aeroporto quando a produtora de elenco ligou. "Você pode voltar aqui agora?" E eu disse: "Posso". Achei, claro, que os testes iam continuar. Cheguei lá, entrei na sala e lá estava o Will Smith. Ele me disse apenas: "Alice, seja bem-vinda a Eu Sou a Lenda".
MC Como você reagiu?
AB Um baque. É que, normalmente, não é assim que as coisas acontecem. O que acontece é que a produtora de elenco liga para o agente do ator e diz se ele passou ou não. Então aquilo não era protocolar. Fiquei lívida, congelada.
MC Saiu de lá e ligou para quem?
AB Nem tive tempo de correr pela rua, de gritar, nada, porque na hora eles me colocaram num carro para ir ver figurino, foi uma maluquice. E eu estava com um celular pré-pago, nem tinha crédito para ligar para ninguém. Aí a gente chegou no lugar das provas e eu falei: "Me dá dez minutos?". E saí correndo para um orelhão para ligar para minha mãe, ainda sem acreditar. Nossa. Minha mãe gritava, eu gritava...
MC Você não pensa em morar por lá de uma vez?
AB Minha agente sempre disse que eu tinha que me manter atuando no Brasil porque isso iria me enriquecer como profissional. Ela diz que eu não devo ir morar em Los Angeles ou Nova York. E eu gosto do meu canto, da sensação de voltar para casa.
'Quando entrei na sala, o Will Smith estava lá. Ele levantou e me disse apenas: 'Alice, seja bem-vinda a Eu Sou a Lenda''
MC O Will Smith é um cara bacana?
AB Ele é tudo o que parece. Um cara que trabalha duro demais para ser quem é. Ele vem de família muito pobre, né? O pai consertava ar-condicionado, uma família trabalhadora da Filadélfia. E ele não esquece isso, ajuda todo mundo, os amigos de infância são hoje assessores, sabe? É um cara admirável, gentil, doce, generoso, que olha nos olhos das pessoas.
MC Você já se sentiu excluída dentro desse clube de pessoas tão poderosas?
AB Os atores com os quais trabalhei foram todos muito generosos. Nunca mudei meu jeito, continuei falante, e eles me fizeram sentir bem-vinda.
MC Até o Harrison Ford?
AB Esse é uma figura. Ele faz cinema há tanto tempo que virou um cara que olha tudo, repara nos fios, nas roupas, nas camareiras, tudo ele sabe, tudo ele vê. No primeiro dia de filmagem ele me disse: "Tá com medo?". E eu: "Hum-hum". E ele: "É bom ter mesmo". Um brincalhão, gente boa mesmo.
MC Como foi fazer Ensaio sobre a Cegueira?
AB O filme é forte, mas o set foi leve. O filme fala que só nos vemos uns aos outros quando precisamos de ajuda, fala que, na verdade, estar cego é a obrigação de olhar para dentro.
MC O aspecto escatológico do set chegou a perturbar?
AB Toda aquela sujeira, aquela degradação humana, de repente você olha e tem um cara nu deitado na merda... Claro que a gente sabe que o cocô é de mentira, tudo é fake, mas se conectar com aquilo tudo é forte.
MC Tem planos de carreira?
AB Não. Sei que quero fazer filmes, muitos. Tenho vontade de trabalhar. Esse é meu plano. Nunca fiz um plano de fazer cinema aqui ou lá ou acolá. Tento ficar no momento, sabe? Só quero trabalhar.
MC Qual o próximo?
AB Mês que vem começo a filmar com o Marco Ricca no Rio Grande do Sul.
MC TV não interessa?
AB Tenho vontade. Já fui convidada para muitas coisas, quase fiz JK, Amazônia, Belíssima, mas havia sempre um longa no caminho e não dava.
MC Tem algum grande medo?
AB De avião [ri]. Mas não tenho medo de morrer, medo da solidão, medo de não encontrar alguém, de ficar sem trabalho... não tenho nada disso. Acho que a vida vai te presenteando com medos, né? Mas, aos 25 anos, ainda não tenho medos não.
MC E namorados nesse meio?
AB Para a imprensa, eu tô supernamorando o Gael hoje. E há um mês eu estava namorando o Santoro. Minha vida, segundo a imprensa, é muito boa [ri]. Encontrei o Rodrigo [Santoro] no dia seguinte da fofoca e falei: "Cara, você viu? A gente tá namorando". E ele: "Meu amor!".
MC Isso chega a incomodar?
AB Como não sou muito famosa, ainda não senti essa pegada mais agressiva da imprensa. Só coisas leves.
MC Mas não tem ninguém hoje?
AB Não, eu tô sozinha. Já tive namorado super ciumento, não gostava de ver cenas de beijo e coisa e tal. É duro para quem não é do meio, sabe? Muito duro.
MC Você e o Diego Luna [E Sua Mãe Também] namoraram?
AB Namoramos, mas a gente nunca abriu o romance, tô falando isso pela primeira vez agora. Não chegávamos a negar ou esconder, mas evitávamos nos expor. Não vou esconder nada, mas quero entender meu limite nisso, o limite da invasão, da opinião pública.
'Para a imprensa, eu estou supernamorando o Gael. E há um mês, eu estava bem firme com o Santoro'
MC Incomoda ser perguntada a toda hora sobre sua tia, a Sônia Braga?
AB Adoro falar dela. Ela é um ícone do cinema nacional, mas foi uma pioneira latina no cinema norte-americano, uma heroína, uma desbravadora. Então, me dá orgulho falar dela não só por ser minha tia. Hoje, o mercado já não é tão tipificado como na época dela. Por exemplo, para esse filme que fiz com o Jude Law eles queriam alguém muito diferente de mim. Só tinha americanas e inglesas fazendo o teste e eu ganhei. O mercado tá mudando.

MC A grana já chegou com força?
AB Eu trabalho desde os 15, já fiz vários bicos, já servi em festa, já fiz bico num restaurante de um amigo, tudo para ter minha graninha. Claro que quando começou a pintar tanto trabalho, que vem com uma certa quantidade de dinheiro, que nem é muito assim, mas é bom, isso me deu a chance de investir e ter a tranquilidade de escolher os projetos que mais me agradam. No começo da minha carreira minha mãe me disse: "Olha, a gente sempre acha que precisa fazer uma obra de arte e não é bem assim. Não dá pra viver só de obra de arte. Então, não se julgue por fazer coisas que não sejam, necessariamente, obras de arte. Faz parte de qualquer ofício fazer de tudo um pouco". E eu entendi o recado. Então, a grana me dá essa tranquilidade de poder escolher projetos. É uma boa reserva que me dá paz para correr atrás de um sonho.
Fonte: Marie Claire 
Styling: Tina Kugelmas e Paula Lang
Produção: Cintya Misobuchi
Cabelo e Maquiagem: Marcelo Gomes (Glloss)/Assistente de Maquiagem: Murilo de Paula
Assistente de Fotografia: Denilson Franco
Agradecimentos: Osklen, Herve Leger para Daslu, S&B Acessórios, Raphael Falci

Um comentário:

  1. Eu amei essa entrevista!!! ficou ainda mais explícita a simplicidade dela <3

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