Tem um mistério na sensualidade da Alice Braga: não se sabe
de onde ela vem. É um tipo de constatação que pode parecer deselegante, visto
que se aplica com mais freqüência àquela categoria de mulheres que nós, pobres
animais com trombas, classificamos como canhões. Evidentemente que a Alice não
se encaixa nesse padrão bélico de beleza, muito pelo contrário. Ainda assim sua
sensualidade tem esse mistério original. Se ela tivesse o crumbiano bundão, por
exemplo, de uma Rosana Jatobá (a mulher do tempo), poderíamos cravar: é da
retaguarda que vem a luz. Mas esse não é o seu caso. Também o rostinho, lindo,
não pode ser inteiramente responsabilizado pelo fato de a Alice Braga ser tão sensual.
Isso porque ele não passa no teste da cara metade. Faça você mesmo: com uma
folha de papel, esconda metade do rosto da Alice. Visualize bem. Repita com o
outro lado. Vai ver que uma parte é diferente da outra, sendo a da esquerda
muito mais bonitinha que a da direita. Pessoas verdadeiramente bonitas, homens
ou mulheres, têm metades de rosto iguais, é o que reza esse controvertido
Inmetro facial. A Alice, podemos dizer, é uma mulher de esquerda.
A mulherada, essa raça superior, dirá ser a sensualidade um
atributo que paira acima do quadril e até mesmo do busto. Sei, sei... O segredo
da Alice Braga, então, seria um só: com 1,62 metro, estamos diante de uma
mulher superpoderosa, o que por si só desperta nos outros um frio na barriga.
Verdade que superpoderes conferiram a Margareth Tatcher, Condoleezza Rice e
Dilma Roussef a sensualidade de uma porta. Mas quem são as três damas diante da
Alice Braga, que fez Cidade de Deus logo na sua estréia? Ave-maria
uma coisa dessa! Podia se aposentar como um J. D. Salinger, autor de um livro
só e por cima da carne-seca. Não se bastando com isso, no entanto, ela fez
também Ensaio sobre a Cegueira, Cidade Baixa, O Cheiro do Ralo e
meia dúzia de produções internacionais – em Eu sou a Lenda, contracena com
Will Smith. Na edição de março da Vanity Fair, ela aparece na segunda
parte da capa tripla da revista americana como uma das dez “fresh faces” de
Hollywood. A foto é de Annie Leibovitz, a melhor e mais famosa fotógrafa do
mundo. Então está resolvido: além de ter mãos (e, por isso, supostamente pés)
muito bonitas (além dos cabelos), Alice Braga é sensual porque é muito fodona,
é muito fodona porque é sensual. E por aí vai, constituindo-se assim uma
bola-de-neve.
Aquela menina, a Lili
Aos 25 anos, Alice acaba de filmar Cabeça a Prêmio, baseado em livro
homônimo de Marçal Aquino. É seu 12º longametragem, além de dois curtas e
apenas um programa de TV – Carandiru, Outras Histórias, de 2005. Cabeça
a Prêmio reservou para Alice, bem, um prêmio: sua mãe de verdade, Ana
Maria Braga, vem a ser a progenitora também na película dirigida por Marco
Ricca. Ana é atriz de teatro desde os 14 anos, tendo atuado sobretudo em
musicais – fez, por exemplo, Ópera do Malandro, a peça de Chico Buarque
encenada com grande sucesso em 1978. A bem da verdade, já tinha pendurado essa
chuteira fazia muito tempo. Foi novamente escalada quando o Marco Ricca se deu
conta de que o Fulvio Stefanini era por demais branco e de olhos azuis para
ser, em carreira solo, o pai da Alice (segundo a própria, “neguinha, morena e
baixinha”). Sendo necessário encontrar uma mãe com tais características,
convocou-se então a Ana Maria Braga – que, melhor esclarecer para não queimar o
filme, nada tem a ver com a Ana Maria Braga da televisão, cujo parceiro é um
papagaio, fazendo supor que cada um tem o Fulvio Stefanini que merece.
Foi com Ana Maria Braga, a mãe, que Alice trabalhou como
atriz nas primeiras vezes. Ana, que tinha abandonado os palcos, tornou-se uma
respeitável profissional de propaganda, dirigindo inúmeros filmes comerciais. E
começou a levar a Alice, então com uns 5 anos de idade, para os sets de
filmagem. Nos lendários estúdios da Companhia Vera Cruz, transformados em uma
grande floresta, a pequena Alice Braga pôde assistir ao vivo às atuações de
Ronald McDonald – coadjuvado por seu Sancho Pança, o esquecível Papa Burger.
Muito extrovertida, falando pelos cotovelos (é assim até hoje), foi sendo
introduzida aqui e ali, em pontas nas propagandas de TV. Fez comerciais de
Neston e da C&A. Mais tarde, sob a direção de Fernando Meirelles, gravou um
anúncio da Intelig. Na semana seguinte, precisando formar uma família para o
açúcar União, Meirelles ordenou: “Chama de novo aquela menina, a Lili”. Não
seria a primeira vez que o diretor se lembraria dela. Dentro de um táxi no Rio
de Janeiro, conversando com a maquiadora Ana Van Steen, os dois trocavam idéias
sobre a formação do elenco para Cidade de Deus. Meirelles procurava alguém
para fazer o papel de Angélica, a gatinha disputada por Buscapé e Bené, o
traficante gente fina. “Aquela menina”, disse ele. “A Lili.”
Não apenas o Meirelles e a Ana Maria Braga transformaram a
Alice na atriz bem-sucedida que ela é hoje. Nisso aí vai uma longa tradição:
Alice é apenas mais uma artista numa família de artistas. Sônia Braga, ela
mesma, é sua tia, irmã da Ana Maria Braga. Falemos disso depois. Uma outra tia
trabalha com música. Uma prima, Dani Braga, sobrinha da Ana em primeiro grau, é
diretora deA Grande Família e assistente de direção do longa Madame
Satã. Há um outro primo que é músico. Um tio é artista plástico. Sua irmã, que
foi estudar direito internacional na Austrália, voltou com um diploma, mas do
curso de cinema. Mesmo o pai, o jornalista Ninho Moraes, é um apaixonado pelas
produções literárias e cinematográficas, de forma que a Alice “não poderia
realmente ter saído uma economista”.
É tudo culpa da avó
A culpada de tudo isso é a mãe da Ana Maria Braga, a Zezé Braga. Foi ela que
iniciou esse flerte da família com o universo da arte. Costureira, fazia também
figurinos para peças de teatro, sendo muito conhecida na cena cultural da
cidade. Foi a dona Zezé que vestiu os personagens de O Beijo da Mulher
Aranha, que mais tarde viraria filme sob direção de Hector Babenco e, veja como
são as coisas, com a Sônia Braga no elenco. O marido da Zezé, por outro lado,
não tinha nada de artista. Mas sobrava a ele inventividade. Nascido em Penedo,
interior de Alagoas, o avô da Alice foi o escolhido pela família para fazer
faculdade em Salvador. Como eram todos muito pobres, ele deveria se formar em
medicina e depois ajudar os outros, ou seja, os nove irmãos. Fizeram uma
vaquinha e ele foi. Lá chegando, porém, teve uma idéia: “Para que fazer um
curso de medicina se eu posso abrir uma fábrica de panelas?”. De fato. E assim
nasceram as panelas Penedo, onde cada um de nós já cozinhou o seu miojo. O lance
é que o marido da Zezé morreu cedo e as filhas tiveram de ir à luta, tendo a
Sônia Braga ficado pelada em Hair tão logo chegou à maioridade.
A Alice Braga talvez já esteja cansada das comparações com a
sua tia – mas “não, sabia que não?”. Então tá. Você tem o corpo parecido com o
da Sônia Braga? “Acho que não. Eu sou mais mignon.” A Sônia é mais gostosona?
“A Sônia tem mais coxa.” Ela é a primeira a vender lá fora essa imagem da
brasileira com quadril largo, bumbum... “Engraçado, no meu primeiro filme gringo, Eu
Sou a Lenda, estava tão magra que pesava 46 quilos. Não tinha bunda nem peito.
Ou seja, eu sou a brasileira que não é brasileira.” Não apenas as medidas
diferem a Sônia da Alice. Por não ter feito quase nada de televisão, a Alice
não se sente famosa. Nas poucas vezes em que é abordada com um pedido de
autógrafo, nunca sabe direito o que escrever. No arremate do texto, é acometida
sempre pela dúvida: “Beijos, beijo grande ou boa sorte? Sei lá”. Embora
reconhecida em Hollywood, essa Alice sem fama tem a vantagem de continuar a
mesma: vive em São Paulo, torce (de verdade) para o Palmeiras, prefere o cheese
salada do Hamburguinho e só escuta rock. Ficou apenas mais sensual, não se sabe
por quê.
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