Texto: Mariane Morisawa
Fotos: Edu Lopes
No seu segundo longa, Cidade Baixa, Alice Braga
faz um dos papéis mais ousados das últimas produções brasileiras e, sobrinha de
Sonia Braga, comprova a herança talentosa ao ganhar o prêmio de melhor atriz do
Festival do Rio
Ensaio: a beleza recatada da sobrinha de Sonia
Braga
Como tantas atrizes de 22 anos, Alice poderia se
apoiar apenas no rosto bonito. O caminho óbvio era o início em Malhação. No
entanto, arriscou-se, começando num papel pequeno e marcante, o contraponto aos
meninos da favela em Cidade de Deus. Até sobrenome que poderia abrir portas,
ela tem: Braga, o mesmo de Sonia, sua tia. Só que não se esconde atrás dele. A
atriz está estreando seu segundo longa, Cidade Baixa, dirigido por Sérgio
Machado. O segundo, apenas (ela já rodou outros dois). Pelo filme, ganha
elogios unânimes. Recebeu aplausos no Festival de Cannes que a fizeram chorar.
E ficou gaga ao subir no palco para pegar seu prêmio de melhor atriz no
Festival do Rio.
“O maior elogio que eu recebo é: como você foi
corajosa”, diz Alice, num sábado chuvoso em São Paulo, elétrica apesar das dez
noites dormindo uma média de 3 horas, por causa da filmagem de seu quarto
longa, Journey to the End of the Night. Coragem é a melhor palavra para
descrever sua atitude em relação a Cidade Baixa. Para começar, ela entrou
naquilo que se chama de 47 minutos do segundo tempo, quando se contavam três
semanas de ensaio. O diretor não encontrava a sua Karinna. Ele consultou a
preparadora de elenco Fátima Toledo, que tinha trabalhado brevemente com Alice
em Cidade de Deus. “Desconfiava que ela ia se entregar de peito aberto”, diz
Fátima. Sérgio Machado percebeu o quanto Alice estava assustada e fez questão
de buscá-la no aeroporto. “Disse: confie em mim. E ela confiou. Com 21 anos,
entrou nessa parada”, lembra ele. A segunda dificuldade foi trabalhar com dois
atores experientes, Wagner Moura e Lázaro Ramos, que, ainda por cima, são
grandes amigos. “Eles tiveram paciência com a minha imaturidade, de ser menina,
de estar me encontrando”, agradece ela. A terceira complicação é que Alice não
vive uma pessoa próxima de sua realidade de classe média alta paulistana:
Karinna é uma prostituta por quem o Naldinho de Wagner Moura e o Deco de Lázaro
Ramos, amigos de infância, se apaixonam, sendo correspondidos. Num filme sem
meias palavras como Cidade Baixa, isso significa uma intensa carga emocional,
cenas de nudez e sexo.
“Alice era uma menina, a mulher não estava
acontecendo”, diz Fátima Toledo. Afinal, Alice é a Lili. A menina hiperativa
que fala muito e rápido, que adora tomar cerveja com os amigos no boteco, que
gostava de jogar bola e de brincar de He-Man quando era pequena, cujo sorriso
dominava qualquer retrato de família. A garota que freqüenta sets de filmagem
desde os 4 anos de idade. A mãe, Ana, é publicitária e levava as duas filhas
para o trabalho depois da escola – a outra, Rita, formou-se em cinema na
Austrália. Os amigos de Ana notaram que a menina tagarela não tinha muita
vergonha e passaram a chamá-la para fazer comerciais. “Era diversão pura, uma
desculpa para estar no set”, conta Alice, que nunca teve dúvida de que ia
trabalhar com cinema. Um dos amigos era Fernando Meirelles, com quem ela fez
dois comerciais e que depois a chamaria para Cidade de Deus. O pai, o jornalista
Ninho Moraes, lembra que Alice adorava o ambiente. “Um dia a levei para um
teste de manhã. Sete horas depois, ela ainda estava no set, dando palpite,
ajudando os outros”, conta ele, que só teve certeza de que ela seria atriz
quando viu seu comprometimento em Cidade Baixa.
Entrega não faltou. Numa cena de striptease, Alice
teve dificuldade. O problema não eram só o cansaço e a nudez na frente de 30
desconhecidos, mas ter de tirar a roupa seduzindo Wagner e Lázaro. Sérgio
Machado parou a filmagem. “Ela ficou mal por isso. Mas trabalhou a noite
inteira e, no dia seguinte, além de fazer a cena muito bem, teve sua melhor
atuação, quando Naldinho a chama para morar com ele”, lembra o cineasta.
“Admirei muito a Alice porque era fácil sucumbir.” A sensualidade foi um ponto
que a atriz teve de trabalhar. “Eu não sou muito sexy. Sou carinhosa, as
pessoas dizem que isso é sedutor. Mas eu não sou muito cocota”, afirma ela.
Também por isso, a garota não teme as comparações com a tia Soninha, que deixou
o Brasil quando ela nasceu. “É outra época, outro cinema, outra pessoa. A Sonia
tem um fogo dentro dela, que eu não tenho. Sei tirar para um personagem, mas
eu, a Lili, não tenho”, diz ela, que está sem namorado e nega os boatos de
romance com Jonathan Haagensen, seu amigo desde Cidade de Deus. “Achei até
engraçado ter saído no jornal.”
Tudo isso fez com que a moleca se transformasse.
“Em dois meses, ela se descobriu mulher, amadureceu quatro, cinco anos”, diz
Sérgio Machado. Até a própria concorda. “Saí outra pessoa. Entrar numa barca
dessas dá um amadurecimento. Vivendo um personagem que tem tanto problema, você
reavalia as coisas: Eu dou valor à vida realmente? Ou só brinco de viver?”
Levada pela vida, pela sorte e pelo talento, Alice rodou Só Deus Sabe, co-produção
Brasil-México com Diego Luna, e Journey to the End of the Night, filme
internacional rodado no Brasil. Por causa do cinema, não foram para a frente as
conversas para estrelar produções da Rede Globo, como Belíssima e JK – a atriz
fez participação em Carandiru – Outras Histórias. “A hora certa vai chegar”,
diz ela. Para Wagner Moura, Alice tem atributos que fazem vislumbrar um belo
futuro. “Quando vi, em Cannes, a desenvoltura com que ela circulava, com aquele
sorrisão, disse: é uma estrela.” Lázaro Ramos, por sua vez, aconselhou-a a
buscar o teatro. “Só digo isso porque é evidente o talento dela”, diz. Já que
acomodação não está no dicionário de Alice, além de estudar, ela vai seguir a
dica. “Tenho medo do palco. Mas quero enfrentar”, diz ela. Risco, sem dúvida,
ela não tem medo de correr.
Fonte: Isto é Gente
Fonte: Isto é Gente
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