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Edição 2049 27 de fevereiro de 2008 |
"Tudo é novidade"
Por Isabela Boscov
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Jeff Vespa/Wireimage/Getty Images |
Com um papel em Eu Sou a Lenda e outras quatro produções
estrangeiras por estrear, Alice Braga, de 24 anos, já construiu
a mais sólida carreira internacional de um intérprete brasileiro
Há um ano,
Alice Braga não para em casa: revelada por Fernando Meirelles em Cidade de
Deus, no papel de uma garota da Zona Sul que é objeto de desejo de um rapaz
da favela, essa paulistana "da gema", como se descreve, engatou uma
carreira internacional que já é mais prolífica que a de qualquer outro ator
brasileiro até aqui. Além de Eu Sou a Lenda, a superprodução em que
interage com Will Smith, Alice rodou recentemente quatro outras produções
estrangeiras, nas quais divide a cena com Harrison Ford, Sean Penn, Jude Law e
Forest Whitaker. Num desses filmes, Redbelt, uma história passada no
mundo do jiu-jítsu, foi dirigida pelo dramaturgo David Mamet, um ícone do meio
cinematográfico. Voltou a se reunir com Meirelles em Blindness,
adaptação de Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago. Aos 24 anos,
faladora e "muito família", Alice ainda não prova do efeito colateral
desse tipo de estouro: a celebridade. Está num momento em que a indústria já
acompanha seu percurso com interesse, mas o público ainda não a reconhece. Ela
conversou com VEJA em duas ocasiões nas últimas semanas – de Nova York e numa
visita à família, em São Paulo.
Veja – Você tem apenas 24 anos e já montou um currículo
internacional sem precedentes para um ator brasileiro. Ele é fruto de
planejamento ou de acaso?
Alice – Eu sempre quis trabalhar com cinema, desde pequena, tanto faz
se aqui ou lá fora. Cinema e ponto, esse era meu único plano. A partir do
momento em que as portas começaram a se abrir, fui tocando de ouvido. Já fiz
vários filmes no Brasil, começando por Cidade de Deus e depois Cidade
Baixa, A Via Láctea e Só Deus Sabe, que é meio brasileiro e
meio mexicano. E dei a sorte de engrenar também uma carreira fora do país. Digo
sorte porque eu quero papéis que me desafiem, que me obriguem a crescer. Quanto
mais oportunidades, portanto, melhor.
Veja – A fama mudou algo na sua relação com seus amigos?
Alice – É engraçado, mas tudo continua igual. Acho que é porque eu
mesma não mudei. Chego ao Brasil e ligo para todos os meus amigos, procuro
vê-los e estar perto deles. A verdade é que ainda não provei do que é a
celebridade. Outra noite, uma moça me reconheceu no supermercado. Ela acenou
para mim, eu acenei para ela, e continuei escolhendo minhas frutas. Isso
aconteceu uma vez, em dez dias em São Paulo. O mais comum é as pessoas olharem
para mim com aquela cara de que me conhecem mas não sabem de onde. O resultado
é que eu também fico em dúvida se conheço a pessoa ou não. Minha irmã me manda
parar de sorrir, diz que é claro que não é ninguém que eu tenha visto antes.
Mas e se for? Sei lá, posso ter esquecido.
Veja – Você tem medo de se tornar uma celebridade?
Alice – Por enquanto, tenho mais curiosidade. É lógico que essa coisa
dos paparazzi dá medo, por causa da invasão de sua privacidade e da de sua
família. Mas não vivi nada disso, só sei pelas histórias dos outros. Cheguei
aqui, por exemplo, e fiquei impressionada com o tamanho do Waguinho (Wagner)
Moura hoje em dia. Acho que ele se assustou. Mas duvido que ele vá mudar ou
deixar de ir ao supermercado e ao cinema. Você só passa a escolher melhor os
horários em que vai sair por aí. Shopping center na sexta-feira às 6 da tarde,
por exemplo, não dá.
Veja – Seus pais se preocupam?
Alice – Não, porque sempre tive o pé no chão, desde a adolescência. Os
meus amigos ficavam doidos e eu tomava uma cerveja, pronto. Nunca fui
baladeira. Adoro ir a festas na casa dos outros, mas não sou de boate. Se saio
para dançar com as minhas amigas, é para dançar com elas, não para ficar aí
pela noite.
Veja – Mas nesse meio a balada está lá, à disposição?
Alice – Sem dúvida – como em qualquer lugar do mundo e em qualquer
meio. Se você quiser sair de segunda a segunda em São Paulo, não vai faltar
aonde ir. Mas sou muito batalhadora para entrar nessa.
Veja – Você se preocupa com a ideia de ser tipificada como uma
atriz latina?
Alice – Não mesmo. Uma atriz é uma atriz. Sou tão nova e tenho tanto a
aprender que tudo o que vejo quero fazer, porque tudo é novo para mim. De mais
a mais, sou latina e sul-americana mesmo. Isso não é uma tipificação, é o que
eu sou.
Veja – Você imagina chegar a um ponto em que venha a inverter sua
situação – ou seja, em que se mudará para os Estados Unidos e apenas visitará o
Brasil?
Alice – Não. Primeiro porque os filmes americanos hoje são feitos em
todo lugar, não só nos Estados Unidos. Agora, por exemplo, acabei de filmar Repossession
Mambo em locação no Canadá, onde foi rodada também parte de Blindness,
de Fernando Meirelles. Logo depois de concluir Eu Sou a Lenda, no ano
passado, passei três semanas em Santa Catarina trabalhando num curta-metragem –
daí fui para os Estados Unidos fazer Redbelt, com David Mamet. No
segundo semestre, volto para fazer Cabeça a Prêmio, em que Marco Ricca
vai me dirigir, e que temos de rodar antes que comece a estação das chuvas em
Mato Grosso. Moro onde o filme está. Mas o Brasil é a minha casa, e não penso
mudar isso.
Veja – Por que não?
Alice – Fico com muita saudade de casa. Sempre que posso, volto
correndo.
Veja – Tem algum namorado nessa história?
Alice – Pulo tanto de lá para cá que acho que ninguém quer me namorar.
Mas tenho muita vontade de ter uma família. Fui criada muito junto com meu pai,
minha mãe e minha irmã, sou ligadíssima neles. Eles são supercorujas,
carinhosos, sempre me deram a maior força. Nem vou começar a falar neles porque
senão não paro. Minha família é, para mim, a base de tudo: quem eu sou, para
onde eu volto.
Veja – Você usa o sobrenome da sua mãe, Braga, mas fala o mínimo
possível sobre o fato de ser sobrinha de Sonia Braga. Vocês não são próximas ou
é pudor de capitalizar a fama de sua tia?
Alice – Na verdade, passei a usar Braga em vez de Moraes, que é o
sobrenome do meu pai, porque em pequena eu ia aos sets de filmagem de
comerciais com a minha mãe e, como falo pelos cotovelos e sou muito
extrovertida, começaram a me convidar para fazer comerciais também. O pessoal
dizia: "Vamos chamar a Lili, a filha da Aninha Braga". E acabei
virando Lili Braga. Mais tarde troquei o Lili por Alice porque depois de certa
idade apelido não dá, né? Mas sou fã do trabalho da minha tia. Não a menciono
muito porque nunca passamos grandes períodos perto uma da outra. Quando eu
nasci, ela morava fora. Agora ela voltou e eu é que não paro aqui.
Veja – Quando um ator começa a despontar com força no cinema
americano, como é o seu caso agora, habitualmente o agente dele o pressiona a
aceitar trabalhos que rendam o máximo de exposição e de cachê, mas que nem
sempre são os que o ator gostaria de fazer. Essa é também a sua experiência?
Alice – Desde 2003 sou representada nos Estados Unidos pela Endeavor,
uma agência até bem grande. Mas me entendo às mil maravilhas com a minha
agente. Ela sempre apoiou a minha decisão de continuar a filmar também no
Brasil e jamais me pressionou a mudar de vez para Los Angeles. Também nunca
tentou me empurrar projetos. Ela procura não necessariamente coisas em que eu
apareça muito, mas sim em que eu apareça bem.
Veja – O cinema americano paga cachês tremendamente maiores que o
brasileiro. O dinheiro é uma tentação na hora de escolher um projeto?
Alice – Dinheiro paga as contas, e não se deve fazer pouco da
independência e da estabilidade que ele proporciona. Neste momento, por
exemplo, estou passando umas semanas no Brasil, com a minha família, sem me
angustiar por não estar recebendo neste mês. Mas estou tão no começo! O prazer
de fazer uma coisa diferente, pela qual se tenha entusiasmo, é inestimável.
Além disso, esse tipo de cachê que pode constituir uma tentação está bem fora
da minha categoria. É coisa para gente muito maior do que eu.
Veja – À parte alguns flashbacks, em Eu Sou a Lenda você é a única pessoa que contracena com Will
Smith. Como surgiu essa oportunidade?
Alice – Quando eu estava lançando Cidade Baixa no Festival de
Sundance, minha agente me avisou do teste para Eu Sou a Lenda. Fiz a
audição com a produtora de elenco e voltei para o Brasil. Nem pensei mais no
assunto. Nesse meio-tempo, o diretor Francis Lawrence, o roteirista Akiva
Goldsman e Smith viram o videotape, gostaram e me convidaram para fazer uma
leitura. Não basta que o ator pareça bem no teste; é preciso se certificar de
que existe uma química interessante entre ele e o protagonista. Então fiz a
leitura com Will Smith e aí... rolou.
Veja – Você é naturalmente mignone, mas está magérrima em Eu Sou a Lenda. Os
produtores exigiram que você perdesse peso?
Alice – Fiz oito meses de dieta puxada – eu e Will Smith. Num mundo
pós-apocalíptico, certamente esses personagens não estariam indo à pizzaria
toda semana. Fiquei um mês sem comer nada de carboidrato, só proteínas e
vegetais, sem sal e sem temperos. Depois introduzimos um pouco de fruta na
dieta – mas só um pouco. E todos os dias eu corria 8 quilômetros de manhã e, à
tarde, malhava. Minha mãe ficou toda preocupada. Mas se sentir faminta e no
limite do seu físico ajuda você a entender o que o personagem estaria passando.
Veja – Em Eu Sou a
Lenda, seu inglês chama atenção não só pela fluência, mas também pela
pronúncia e entonação precisas. Você já falava bem inglês antes de começar sua
carreira estrangeira?
Alice – Estudei inglês desde pequenininha. Hoje em dia agradeço a meu
pai por sempre ter me obrigado a seguir as aulas, mesmo quando eu ficava com
preguiça e inventava desculpas para parar. Mas, até trabalhar fora do Brasil,
eu não falava com a fluência e a naturalidade de alguém que tivesse morado
fora. Quando começaram a pintar essas oportunidades, voltei então a me dedicar
à língua. Para Eu Sou a Lenda, tive um dialect coach, um
profissional que ajuda não só a limpar o sotaque, mas, nesse caso, a melhorar a
dicção e aprimorar a entonação. Quando uma pessoa fala uma língua estrangeira,
ela tende a transferir sua entonação nativa para o segundo idioma – o que não
só muda o sentido do que é dito como desvia a atenção do conteúdo para a forma,
por assim dizer. A preocupação, então, era que minhas falas soassem claras e
também naturais. Para isso, é preciso treinar até que todas essas regras se
tornem inconscientes. Senão, na hora de fazer a cena, você só pensa no que está
dizendo, e não na atuação, como deveria.
Veja – Em abril estreia nos Estados Unidos Redbelt, que você e Rodrigo Santoro fizeram com o cineasta e
dramaturgo David Mamet, um dos nomes mais celebrados do meio. O que você
aprendeu com ele?
Alice – Trabalhar com Mamet foi maravilhoso. Sempre admirei não só as
peças e os roteiros dele, mas também os livros de cinema que ele escreve, que
são ótimos. Ele é um ícone, e me senti tremendamente honrada – além de
apavorada. Mas ele me guiou o tempo todo. Apesar da fama de bravo, ele é um
homem carinhoso, doce, que pega você pela mão. Esse foi um ano especial porque
aprendi coisas diferentes com cada uma das pessoas com que trabalhei. Com
Mamet, aprendi a mergulhar nas nuances do texto, a pesar as palavras e entender
a maneira como elas devem ser ditas para atingir o efeito que se pretende. O
roteiro dele é algo que nunca vi: vem com todas as palavras em que a ênfase
deve recair sublinhadas. É quase uma partitura – e ninguém ousa improvisar ou
mudar uma letra do que ele determinou.
Veja – Redbelt é uma história passada no mundo do jiu-jítsu. Como
algo tão brasileiro foi parar na mão de David Mamet?
Alice – Ele faz jiu-jítsu há seis anos com um professor brasileiro e é
louco pelo esporte. Daí esse enredo sobre um clã ligado ao jiu-jítsu. Eu faço a
princesinha da família, casada com um lutador, interpretado pelo inglês
Chiwetel Ejiofor, que acha que os campeonatos são um desvirtuamento da
filosofia da luta. O engraçado é que não tenho nenhuma cena no filme com
Santoro, que faz um empresário do meio.
Veja – Que outros trabalhos internacionais você já completou?
Alice – Acabei de filmar Repossession Mambo, uma ficção sobre o
comércio de órgãos com Jude Law e Forest Whitaker. Esse deve ser lançado só em
2009. Em Crossing Over, que tem estréia prevista para junho nos Estados
Unidos, faço o papel de uma imigrante ilegal detida na fronteira mexicana. O
roteiro trata da imigração de um ângulo que tem sido pouco abordado: não só o
das pessoas que estão cruzando a fronteira, como é o caso da minha personagem,
mas principalmente do ponto de vista de gente que está nos Estados Unidos há
vinte anos, construiu lá uma vida, e cai na malha da fiscalização.
Veja – Seu papel em Crossing Over
é pequeno, mas os atores com os quais você contracena são do primeiríssimo
time.
Alice – Pois é, a maioria das minhas cenas é com Harrison Ford, que faz
um agente federal do Departamento de Imigração, e com Sean Penn, que interpreta
um patrulheiro de fronteira – aqueles policiais que ficam dentro do carro, no
deserto, à espera de observar alguma movimentação suspeita. Ele é o patrulheiro
que me apreende.
Veja – Você é daqueles atores que só enxergam defeitos quando se vêem em cena?
Alice – Sempre penso que poderia ter feito isso ou aquilo de um jeito diferente, o que é uma reação absolutamente comum. Mas vejo os trabalhos que fiz um, dois ou três anos atrás quase como se fossem de outra pessoa. Tento não me julgar demais pelo que já ficou para trás. A gente nunca se banha no mesmo rio duas vezes, certo? Ele está sempre passando.